Antonio Ganim
Sócio do escritório Ganim Advogados Associados; Ex-superintendente da SFF da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); Autor de livros e artigos sobre temas do Setor Elétrico.
A exemplo de todas as empresas comerciais e industriais localizadas no território nacional, as concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica consideraram, ao longo dos anos, o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) na base de cálculo das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins. Essa metodologia de cálculo é a única até então admitida pela Receita Federal do Brasil (RFB), inclusive fiscalizada pelo cruzamento de informações prestadas na antiga DACON e atualmente na EFD-Contribuições.
Em 08/10/2014, quando do julgamento do RE nº 240.785/MG, sob a Relatoria do Exmo. Min. MARCO AURÉLIO DE MELLO, havia sido decidido que o ICMS deveria ser excluído da base de cálculo das contribuições ao PIS/Pasep e COFINS no regime não cumulativo. Já em 09/03/2017 e 15/03/2017, quando do julgamento do RE 574.706/PR, sob a relatoria da Exma. Min. CARMÉN LÚCIA, afetado ao procedimento da repercussão geral, esse mesmo entendimento foi pacificado pela maioria qualificada dos i. Ministros do e. Supremo Tribunal Federal, oportunidade em que aquela Corte Suprema decidiu pela inconstitucionalidade da inclusão no ICMS na base de cálculo das referidas contribuições, sepultando de vez vexata quaestio acerca do tema, com efeitos erga omnes, inclusive. Restando, no entanto, o trânsito em julgado que poderá ocorrer já após o julgamento dos Embargos de Declaração protocolado pela Procuradoria da Fazenda Nacional.
Assim, desde o julgamento do RE nº 240.785/MG, várias empresas, inclusive as concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica, impetraram mandado de segurança com o objetivo de ter afastada a cobrança do PIS/COFINS sobre o ICMS, sendo que após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no RE 574.706/PR, foram concedidas tutelas antecipadas em liminar, sendo que várias dessas ações já transitaram em julgado.
Para as concessionárias que já obtiveram o trânsito em julgado de suas ações, as mesmas deverão passar a excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, reduzindo a cobrança dessas contribuições na conta de energia elétrica, adotando a metodologia de cálculo e repasse por meio da alíquota efetiva estabelecida pela ANEEL por meio da Nota Técnica nº 115/2005-SFF/SRE/ANEEL.
No entanto, existe um passado representado pelo período de tempo em que ocorreu essa cobrança do PIS/Cofins sobre o ICMS na conta de energia do consumidor. Em virtude do prazo prescricional de cinco anos, a concessionária somente poderá recuperar os valores pagos nos cinco anos anteriores, contado da data em que ela tenha ajuizado a ação judicial, e mais o período de tempo transcorrido até a decisão judicial transitada em julgado.
Muito se tem discutido em relação à devolução desses valores pagos a maior, a título de contribuições sociais ao PIS/Cofins, para o consumidor. Ou seja, qual o prazo que a concessionária deve retroagir para efetuar essa devolução. Entendemos que não se discute se esses valores devem ser devolvidos ao consumidor, mas sim, até onde vai essa retroatividade.
O inciso II, do art. 113 da Resolução Normativa da ANEEL nº 414/2010[1], cujos efeitos encontra-se suspenso pelo Despacho ANEEL nº 18, de 4/01/2019, em virtude da decisão proferida pelo Juízo da 19ª Vara Federal Cível de São Paulo, nos autos da Ação Civil Pública de nº 5024153-93.2018.4.03.6100, estabelecia, para o caso de faturamento de valores incorretos, um prazo de devolução correspondente aos últimos trinta e seis ciclos de faturamento imediatamente anteriores à constatação do fato, quando o motivo da cobrança indevida fosse de sua responsabilidade.
Mesmo que esse dispositivo estivesse em vigor, entendemos que o mesmo não se aplicaria ao caso concreto da devolução do PIS/Cofins calculado sobre o ICMS e cobrado do consumidor, pelo simples motivo de que essa cobrança ocorreu não por erro da concessionária, que simplesmente cumpriu a lei, nos termos da interpretação dada pela Receita Federal do Brasil (RFB), da mesma forma que os demais contribuintes brasileiros fizeram. Além do mais, de forma contrária ao disposto no Parecer nº 0050/2016-PFANEEL/PGF/AGU, entendemos que as disposições do art. 113 da Resolução Normativa nº 414/2010 – ANEEL se aplica tão somente aos erros de faturamento decorrente das falhas de medição, aplicação equivocada de tarifa fixada pela ANEEL em cada período de fornecimento, etc., e não para o caso de tributos não cumulativos, que devem ser repassados ao consumidor final, pela disposição prevista no próprio contrato de concessão.
Esse, inclusive, foi o entendimento manifestado pelo julgador da 19ª. Vara Cível Federal de São Paulo na Ação Civil Pública de nº 5024153-93.2018.4.03.6100, ao estabelecer que, deverá ser observado o prazo prescricional de dez anos previsto no art. 205, do Código Civil, na hipótese de devolução ao consumidor de faturamento a maior a título de tarifa de energia elétrica, que motivou a suspensão, pela ANEEL, do inciso II, do art. 113 da Resolução Normativa nº 414/2010, pelo Despacho ANEEL nº 18/2019.
Entendemos que o prazo não é de três, cinco ou dez anos, mas sim, o prazo de prescrição aplicado à concessionária, que também se aplicaria ao consumidor de energia elétrica, caso fosse ele que tivesse recorrido ao judiciário, já que, no caso do consumidor de energia elétrica, o mesmo possui a legitimidade processual ativa, confirmada após o julgamento do REsp nº 1.299.303/SC[2], no âmbito da sistemática dos recursos repetitivos, não se aplicando, a esses consumidores de energia elétrica, a decisão do julgamento do REsp nº 903.394/AL, que não reconheceu a legitimidade processual ativa a outros consumidores.
Portanto, em nosso entendimento, as concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica deverão devolver ao consumidor todo o valor do PIS e da COFINS cobrado sobre o ICMS, que ela venha a recuperar como crédito tributário, correspondente aos cinco anos anteriores, contado da data em que ela tenha ajuizada a ação judicial, e mais o período de tempo transcorrido até a decisão judicial transitada em julgado, deduzido de todos os gastos que ela tenha realizado para a obtenção do êxito junto ao judiciário. A devolução ao consumidor deverá ocorrer, tão somente, após a compensação dos créditos tributários, homologados pela RFB, com os respectivos débitos tributários que venham a ser apurados posteriormente, nos termos da Instrução Normativa nº 1.717/2017.
Ressaltamos que essa devolução deve ser feita diretamente ao consumidor que assumiu o ônus financeiro da cobrança a maior dessas contribuições, ou seja, não pode ser considerado na metodologia de cálculo prevista na Nota Técnica nº 115/2005-SFF/SRE/ANEEL, que trata da aplicação da alíquota efetiva, sob o risco ter que pagar duas vezes.
Antonio Ganim
15/05/2019.
[1] Resolução ANEEL nº 414/2010 – Art. 113. A distribuidora quando, por motivo de sua responsabilidade, faturar valores incorretos, faturar pela média dos últimos faturamentos sem que haja previsão nesta Resolução ou não apresentar fatura, sem prejuízo das sanções cabíveis, deve observar os seguintes procedimentos: (…) II – faturamento a maior: providenciar a devolução ao consumidor, até o segundo ciclo de faturamento posterior à constatação, das quantias recebidas indevidamente nos últimos 36 (trinta e seis) ciclos de faturamento imediatamente anteriores à constatação.
[2] EMENTA: Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor, esse último tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada.
– O acórdão proferido no REsp 903.394/AL (repetitivo), da Primeira Seção, Ministro Juiz Fux, DJe de 26.4.2010, dizendo respeito a distribuidores de bebidas, não se aplica ao casos de fornecimento de energia elétrica.