DA VEDAÇÃO DO CRÉDITO DE ICMS SOBRE A AQUISIÇÃO DE BENS PARA A INFRAESTRUTURA DAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA E SEU EFEITO TARIFÁRIO
Antonio Ganim
Sócio do escritório Ganim Advogados Associados; Ex-superintendente da SFF da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); Autor de livros e artigos sobre temas do Setor Elétrico.
As concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica vêm tomando o crédito de ICMS sobre as aquisições de bens destinados a sua infraestrutura, nos termos do art. 20 da Lei Complementar nº 87/1996, que assegura o direito ao crédito do imposto anteriormente cobrado em operações de aquisições de bens destinados ao ativo permanente, fazendo com que a sua Base de Remuneração Regulatória (BRR) e a respectiva depreciação seja líquida do ICMS.
Antes da alteração do art. 178 da Lei nº 6.404/1976, pela Medida Provisória nº 449, de 3 de dezembro de 2008, convertida na Lei nº 11.941 de 27 de maio de 2009, o mesmo dispunha que o ativo seria composto pelos grupos (i) ativo circulante; (ii) ativo realizável a longo prazo; (iii) ativo permanente, que era dividido em investimentos, imobilizado, intangível e diferido.
No Brasil, a adoção das normas internacionais de contabilidade se deu com base no § 5º, do art. 177 da Lei nº 6.404/1976, introduzido pela Lei nº 11.638 de 28/12/2007, com a consequente extinção do grupo do ativo permanente, passando o ativo a ter os seguintes grupos: (i) ativo circulante; (ii) ativo não circulante, composto por ativo realizável a longo prazo, investimentos, imobilizado e intangível.
Inicialmente houve a preocupação com os efeitos tributários decorrente dessa harmonização de normas contábeis, sendo que o § 7º do art. 177 da Lei nº 6.404/1976, estabeleceu que os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para fins dessa harmonização, não poderiam ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários. Assim, para fins dos tributos federais foi instituído, pela Lei nº 11.941/2009, o Regime Tributário de Transição (RTT), que acabou por revogar, com base no inciso X, do art. 79, o § 7º do art. 177 da Lei nº 6.404/1976, sem que houvesse ocorrido qualquer adequação da Lei Complementar nº 87/1996, que é a legislação do ICMS, à nova estrutura de grupo do ativo, face às normas internacionais de contabilidade.
Como é cediço, as normas internacionais de contabilidade aplicada à infraestrutura dos contratos de concessão, previstas na International Financial Reporting Interpretations Committee 12 (IFRIC 12), foram aprovadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) por meio da Interpretação Técnica ICPC 01 – Contratos de Concessão¹, pela qual as concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica passaram a ter seu ativo imobilizado, relativo à infraestrutura, bifurcado em ativo intangível, correspondente à parcela da infraestrutura que será recebida do consumidor durante o prazo da concessão, e ativo financeiro, correspondente à parcela que será recebida do poder concedente a título de indenização ao final do prazo da concessão.
Assim, desde a adoção das normas internacionais de contabilidade, pelo Brasil, as concessionárias de serviço público de distribuição deixaram de ter os bens de sua infraestrutura, essenciais à prestação do serviço público, no ativo imobilizado. Com isso, as autoridades fazendárias de alguns Estados estão autuando as concessionárias que se creditaram do ICMS nas aquisições dos bens destinados à infraestrutura para a prestação do serviço público, sob o argumento de que esses bens não compõe o ativo imobilizado, mas sim, o ativo intangível, e que a Lei Complementar nº 87/1996, não prevê a possibilidade de créditos do ativo intangível, e que a propriedade dos bens seria da União, tendo a concessionária apenas a posse correspondente, citando para tanto, disposição do ICPC 01 – Contratos de Concessão, conforme segue:
Apesar das concessionárias de serviço público deixar de ter o ativo imobilizado na contabilidade societária, na contabilidade regulatória, instituída pela ANEEL, por meio da Resolução Normativa nº 396/2009, a infraestrutura permaneceu no ativo imobilizado, já que o setor elétrico não adotou as normas contábeis previstas na ICPC 01 – Contratos de Concessão.
Quanto à questão da propriedade e a posse dos bens, elas são da concessionária, mesmo que seja uma propriedade resolúvel², já que tanto a lei, como o contrato de concessão, estabelece uma condição resolutiva, ou seja, ao final da concessão os bens serão revertidos mediante indenização. Somente após a reversão com a respectiva indenização é que os bens passarão para a propriedade da União Federal, tanto é, que, durante o período da concessão os bens adquiridos pelas concessionárias não constam do Patrimônio da União Federal.
Ao rigor da literalidade da lei, não seria possível que qualquer empresa, de qualquer seguimento, pudesse tomar o crédito do ICMS sobre a aquisição de bens destinados ao ativo permanente, já que não existe mais o ativo permanente e na Lei Complementar nº 87/1996 não há referência ao ativo imobilizado, mas somente ao ativo permanente. Há que se considerar que, na legislação anterior, o ativo permanente era um gênero, no qual tanto o ativo imobilizado quanto o ativo intangível eram espécies. Essas espécies estão hoje no ativo não circulante, e não há como negar que os bens aplicados na infraestrutura são bens corpóreos, também denominados como ativo fixo, utilizados na atividade econômica desenvolvida pelas concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica, sendo legítimo o direito ao crédito do ICMS, face ao próprio princípio constitucional da não cumulatividade.
Em nosso entendimento a mudança da norma contábil, que passou a adotar a essência sobre a forma, alterando a contabilização dos ativos vinculados à concessão, não possui o condão de modificar o fato tributário efetivamente ocorrido e nem a essência da natureza dos bens utilizados na prestação do serviço público, que continuam a ter uma natureza de um bem corpóreo, reconhecido para fins tributários como ativo fixo, essenciais e necessários à prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica. Além do mais, as aquisições dos bens são realizadas com recursos financeiros da própria concessionária, devidamente documentado, e sua depreciação compõe a Parcela “B” da tarifa de fornecimento da concessionária, a ser cobrada dos consumidores, e que será submetida à incidência do ICMS, devendo prevalecer o princípio constitucional da não cumulatividade.
Caso venha a prevalecer, no judiciário, o entendimento desses Estados, a ANEEL será obrigada a incluir o valor desses créditos de ICMS, glosada pelas autoridades fiscais dos Estados, na Base de Remuneração Regulatória (BRR), o que aumentará a quota de depreciação e a remuneração que compõe a Parcela “B” da Tarifa de Fornecimento de Energia Elétrica (TFE), com grandes impactos tarifários. Portanto, se faz necessário a alteração da Lei Complementar nº 87/1996, de forma que a mesma seja harmonizada com as disposições do art. 178 da Lei nº 6.404/1976 e outras disposições complementares, eliminando qualquer discussão por parte das autoridades fazendárias em relação a esse tema.
¹ Orientações contidas na OCPC 05 – Contratos de Concessão.
² CCB art. 1359/1360.